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Conheça a garota que desafiou federação de futsal em um torneio masculino

Julia tenta drible jogando pelo Centro Olímpico - Arquivo pessoal
Julia tenta drible jogando pelo Centro Olímpico Imagem: Arquivo pessoal
do UOL

Brenda Mendes

Do UOL, em São Paulo

26/01/2020 04h00

O que você fazia quando tinha dez anos de idade? A carioca Julia Rosado joga futebol — melhor do que você com a mesma idade, aliás. Prova disso é o currículo. Com 10 anos, ela já desafiou a organização de um campeonato para jogar contra meninos, foi eleita a melhor atleta de um torneio com 750 inscritos e até já tem patrocínio pessoal.

Desde o começo do ano passado, Jujugol, como ela é conhecida, tem o apoio da multinacional de equipamentos esportivos Nike. O crescimento é tanto que seus pais adaptaram suas vidas em prol de sua carreira. Com a filha jogando por um clube de São Paulo (o tradicional Centro Olímpico), sua mãe largou o emprego no Rio para morar na capital paulista, onde, além de acompanhar a filha, ela é a responsável pelas redes sociais da garota — que não se classifica como influenciadora digital, mesmo com 82 mil seguidores.

"A Julia fala 'eu não sou influencer, não sou artista, eu sou atleta. Eu quero que todas as meninas possam ver através de mim que podem jogar, mas eu sou atleta'. Ela tem isso com ela", diz Cláudia.

Julia em campo pelo PSG - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Julia em campo pelo PSG
Imagem: Arquivo pessoal

"Acho que eu nasci para jogar futebol, desde pequena eu já dormia abraçada com a bola. Eu comecei jogando na educação física. O professor chamou a atenção dos meus pais, disse que eu podia jogar, que eu era boa para fazer aquilo e que ficou surpreso porque não tinha visto muitas meninas jogando futebol" diz Julia, que começou a conhecer o esporte com 4 anos de idade.

A primeira menina federada em torneios masculinos

Jujugol começou a jogar aos cinco anos e aos sete encontrou seu primeiro obstáculo: ela fazia parte do time sub-9 do clube Grau 10, mas a Federação de Futsal do Estado do Rio de Janeiro (FFSERJ) não permitia que meninas jogassem em torneios masculinos. "Lembro até hoje que não queriam me deixar entrar porque eu era menina. O Carlinhos [o técnico do Grau 10] foi lá brigar, falou que eu era uma atleta como qualquer uma e se eu não fosse entrar como uma menina, eu ia entrar como a atleta Julia Rosado".

Foi muito bom jogar com meninos. Criei uma proteção, foi muito importante para seguir minha carreira. Eu já sabia como lidar com obstáculos. Se jogasse com meninas, talvez pudesse me enrolar um pouco no começo".

Claudia Rosado, a mãe, se orgulha de como a filha lida com o machismo no futebol. "Ela tem uma personalidade muito forte, sabe o que quer. É focada, mas ao mesmo tempo também tem um lado muito carinhoso, acolhe, abraça. Eu não acho ruim essa característica, vamos dizer assim, 'durona'. Foi a maneira que ela encontrou com ela mesmo de sobreviver em um meio masculino".

Julia disputando bola em campo pelo Centro Olímpico - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Julia disputando bola em campo pelo Centro Olímpico
Imagem: Arquivo pessoal

Esse lado durão que a mãe destaca fica evidente nos jogos contra meninos. Nas competições, ela já ouviu pais na arquibancada torcendo para que seus filhos batessem na única menina em campo. "Se eu tomo porrada, depois vou melhorar. Mas esse menino vai crescer com uma influência ruim do próprio pai, mandando bater em mim porque eu sou uma menina jogando bola. Esse menino vai crescer fazendo o que o pai mandou, será essa a influência que ele vai levar de criança", filosofa a menina.

Julia conta outra situação que passou com um pai de um atleta na arquibancada, que reclamava com o próprio filho pelo desempenho contra a menina. "Eu pedi silêncio. Era um machista xingando o próprio filho por estar perdendo para meninas. Eu não aguentava mais aquilo. Eu ganhava algumas divididas, minhas parceiras de equipe também ganhavam divididas, e ele perdeu a linha", conta a garota. Quando ela fez um gol, fez o sinal de silêncio para o homem. "A melhor coisa que eu podia fazer é fazer calar a boca".

A melhor de um torneio com 750 meninos

A carreira de Jujugol se consolidou no ano passado. Ela foi a artilheira da Champions League Kids, um campeonato com clubes do Rio de Janeiro que "empresta" o nome do torneio europeu, com 15 gols -- e 5 "hat-tricks", quando um jogador faz três gols no mesmo jogo. Mais importante, ela foi a primeira menina eleita como a melhor jogadora na Barra Cup, um campeonato masculino com 750 atletas.

Julia com medalhas e troféus de 2019 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Julia com medalhas e troféus de 2019
Imagem: Arquivo Pessoal

Qual o segredo? Para Juju, a explicação está nos três esportes que ela pratica. Futebol de campo, de salão e society... "A adrenalina do futsal foi muito boa para usar no campo e no society. Você precisa pensar rápido no salão, não pode perder dois segundos pensando. Tem que dominar sabendo o que você vai fazer, isso é muito importante. No campo, você tem mais espaço, se já estiver com o cálculo pronto, executa muito melhor. Tudo que eu aprendi no campo, uso no salão e no society".

Ela também aprendeu algumas coisas com jogos que assiste na televisão. Levando o número 7 em sua camisa, ela repete os gestos de Cristiano Ronaldo em suas comemorações. O português é ídolo e modelo de vida. Na hora de falar sobre o craque, ela não poupa elogios ao atacante eleito melhor do mundo cinco vezes.

"O Cristiano Ronaldo tem uma história. Luta todos os dias, não desiste. Ele pode, ele quer, ele consegue e eu levo esse exemplo para vida. Não consegui acompanhar desde o início da carreira pois não tinha nascido, mas sei da história todinha. Jogou no Sporting, eu acompanhei um pouquinho no Manchester United, acompanhei no Real Madrid e agora acompanho na Juve. Ele realmente é um excelente jogador, campeão de Champions League, cinco vezes Bola de Ouro".

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Julia Rosado em campo pelo Paris Saint-Germain
Imagem: Jhonatan Araujo

Tamires Alves, treinadora do time sub-11 do Centro Olímpico, time de São Paulo que a garota defende, destaca suas principais características em campo: "A Julia é uma atleta diferenciada, com um bom potencial para ser desenvolvido, principalmente por conta da sua idade. Ela costuma jogar pelos lados do campo, é uma atleta com um bom drible e que gosta de conduzir a bola, além de ter uma boa finalização. O que mais chama a atenção e que contribui para a equipe é a sua determinação e foco, além da sua ambição dentro do campo".

A mudança para São Paulo e o contrato com a Nike

Com a carreira de Julia em ascensão, seus pais, Claudia e Wellington, decidiram apoiar a filha em período integral. Claudia decidiu deixar sua profissão, era consultora no banco RCI, no Rio de Janeiro, e acompanhar de perto os passos da filha no futebol. A família se mudou para São Paulo no começo do ano passado em busca de oportunidades maiores para a atleta mirim.

"Viemos para São Paulo por causa da Juju, a gente virou nossa vida toda para cá, trabalho e tudo, por causa do futebol, por causa dela. No Rio de Janeiro, não tínhamos muitas oportunidades como temos aqui, principalmente na idade dela", explica Cláudia.

Até a mudança para São Paulo, Julia atuava a maior parte do tempo em times mistos. Sua rotina nesse período era intensa. Morando no Rio e jogando em clubes de São Paulo a cada duas semanas, ela enfrentava horas cansativas de viagem e treinos, mas não se arrepende. Na capital paulista, a vascaína começou a jogar em clubes com times femininos, com exceção apenas do PSG, que já jogava no Rio de Janeiro e deu continuidade em São Paulo. Hoje, Julia joga no Centro Olímpico, no Elite Team PSG e na equipe de futsal feminino de Santo André.

"Eu amo jogar com meninas, elas já tocam a bola mais. É muito bom pra mim e pra elas ver outras meninas com o mesmo sonho jogando futebol. Eu me sinto muito feliz jogando com meninas e me divirto muito, é muito bom para a modalidade".

Leandro Melão, coordenador de esporte e eventos do colégio Fênix, de São Caetano do Sul, trouxe Julia para seu time de futsal em 2019. A escola do ABC possui um projeto consolidado de futebol feminino e o professor já acompanhava a atleta pelas redes sociais. Quando soube da mudança de cidade, foi logo apresentar o projeto para a família, que vestiu a camisa. "Ela é bem habilidosa tecnicamente para a idade dela. É uma das únicas da categoria sub-10 e ela tem o conhecimento muito técnico da modalidade. Tem uma visão de jogo muito boa, tem muito a evoluir porque tem 10 anos. Ela é canhota e habilidosa", analisa Melão.

Administrando e alimentando as redes sociais, Claudia acredita que o Instagram é uma ferramenta muito forte de visibilidade — foi pela plataforma que a Nike chegou até a mini-craque. Juju fez parte do lançamento da camisa oficial exclusiva da seleção brasileira feminina e participou da exposição "CONTRA-ATAQUE" no Museu do Futebol.

"É um orgulho muito grande ser patrocinada, saber que sou inspiração para outras meninas. Assim como eu me inspiro em grandes jogadoras da seleção, eu me sinto muito feliz e orgulhosa por fazer parte disso. A Nike me apoia bastante, eles apoiaram e abraçaram o futebol feminino, fizeram uma camisa incrível para as mulheres da seleção brasileira e eu me senti muito honrada de ser chamada para vestir aquela camisa. Ver que o futebol feminino está crescendo, evoluindo e que grandes marcas e empresas podem valorizar o futebol feminino igual a Nike fez comigo e tem feito com o futebol feminino".

Com o sonho de jogar em clubes grandes do Brasil e estrangeiros, Julia não vê apenas seu crescimento como fundamental, seu desejo é evoluir junto com a modalidade.

Quero crescer e me tornar uma grande jogadora de futebol, mas não crescer sozinha, quero crescer junto com o futebol feminino".

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