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Jogo no Ceará é parado após goleiro relatar sons de macaco; time rival nega

Serjão, goleiro do Barbalha, acusa torcida do Caucaia de imitar macaco - Blog do Boa
Serjão, goleiro do Barbalha, acusa torcida do Caucaia de imitar macaco Imagem: Blog do Boa
do UOL

Marcello De Vico

Do UOL, em Santos (SP)

21/01/2020 13h41

Resumo da notícia

  • Jogo no Ceará foi paralisado após goleiro acusar torcida de racismo
  • Serjão, arqueiro do Barbalha, diz ter ouvido sons de macaco
  • Caucaia nega a versão do goleiro e diz que ele inventou tudo
  • "Não preciso de falsas acusações para aparecer", disse Serjão

O Campeonato Cearense registrou nesse domingo (19) uma denúncia de racismo. Ainda no primeiro tempo do jogo entre Caucaia x Barbalha, Serjão, goleiro do time visitante, solicitou a interrupção do jogo ao árbitro e relatou insultos racistas vindos da torcida mandante - como sons de macaco, por exemplo. O pedido foi atendido.

O Caucaia, porém, alega que não houve insultos racistas e que o goleiro mentiu para retardar o jogo, uma vez que o time anfitrião estava pressionando o adversário depois de abrir 1 a 0 no placar - a partida terminou empatada por 1 a 1.

Na súmula, o árbitro Raimundo Rodrigues de Oliveira Jr. relatou o fato, mas diz não ter ouvido gritos vindos da arquibancada. Ainda assim, solicitou a um representante do Caucaia ir até o local para pedir que o fato não voltasse a ocorrer.

"Informo que aos 40 minutos do primeiro tempo o atleta número 1 da equipe do Barbalha Futebol Clube, senhor Sérgio Augusto Abraão, pediu que eu, Raimundo Rodrigues de Oliveira Júnior, árbitro da partida, paralisasse o jogo por o mesmo se sentir ofendido por conta de insultos racistas tais como: 'bora negão, Vera Verão, macaco...', vindos de torcedores da equipe Caucaia Esporte Clube contra a sua pessoa", diz o texto do árbitro na súmula.

"Ressalto que eu, junto com minha equipe de arbitragem, não ouvimos os manifestos citados pelo atleta. Informo que solicitei que um representante da equipe do Caucaia Esporte Clube fosse até o local onde encontrava-se a torcida para pedir que não voltasse a ocorrer tal fato", acrescentou o árbitro.

"Se me calasse, estaria ignorando a dor de tantas outras pessoas"

Entrevistado pelo UOL Esporte, Serjão, goleiro de 24 anos recém-contratado pelo Barbalha após passagens por clubes do Rio de Janeiro, disse ter ouvido sons de macaco vindos da torcida adversária - além de diversos outros insultos racistas - e classificou a atitude como "desprezível".

"Não quero que olhem para mim com pena ou que achem que estou vitimizando a situação. Esse tipo de atitude é banal e desprezível. Se eu me calasse, eu estaria ignorando a dor de tantas outras pessoas que passam pelo mesmo", disse o goleiro, para depois relatar o que aconteceu durante a partida.

"Os comentários pejorativos e racistas vindos da torcida de forma alguma abalaram minha moral como atleta e ser humano. Eu estava concentrado na partida, mas era inevitável que as palavras deles não me atingissem. Coisas como 'Sai daí Vera Verão, esse não é o seu lugar', 'Esse Negão não presta', 'Vai fazer propaganda da C&A, Abuse e Use' eram dirigidas a mim todas as vezes que eu interferia no jogo. Mas o ápice de todo esse fato lamentável foi após uma cobrança de falta do adversário, onde precisei de atendimento médico. Assim que o jogo foi reiniciado, ouvi sons que imitavam macacos. Foi baixo, foi breve, mas voltou a se repetir logo que sofremos o gol", acrescentou.

Questionado sobre a alegação do Caucaia de que ele inventou toda história para retardar o jogo, Serjão disse "não precisar de mentiras ou falsas acusações para aparecer" e afirmou que, durante a partida, os próprios jogadores do time rival prestaram solidariedade a ele.

"Eu tive uma criação simples, mas muito valiosa. As pessoas que acompanham a minha história sabem muito bem o tipo de pessoa que eu sou. O pouco que tenho conquistado vem de muito trabalho e esforço. Eu não preciso de mentiras ou falsas acusações para aparecer. Eu não preciso usar um assunto tão doloroso para me destacar. Eu conversei com profissionais do Caucaia durante o jogo, e todos prestaram sua solidariedade e respeito", declarou.

"A Instituição Caucaia não tem culpa de nada. O ato partiu de pessoas maldosas, que apenas aproveitaram as circunstâncias para revelar seu real caráter. Uma partida se resolve com boas jogadas e gols. A minha atitude foi apenas para alertar o juiz do que estava acontecendo. Tanto que o jogo não ficou parado por muito tempo", completou.

Deus na frente sempre! ?

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Presidente do Barbalha, Lúcio Barão reforçou a versão do jogador e disse ter ouvido os insultos proferidos pela torcida rival: "A torcida chamando ele de macaco, uma coisa horrível. O juiz teve de parar o jogo, e o goleiro ficou numa situação muito complicada".

O clube também soltou uma nota oficial repudiando os fatos de racismo e ainda pedindo um posicionamento da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

"Diretoria do Barbalha FC e a Torcida Organizada Nação Tricolor vem por meio desta REPUDIAR os fatos de racismo ocorrido na partida Caucaia x Barbalha, no último domingo dia 19 de Janeiro, em partida válida pela quinta rodada do Campeonato Cearense da Série A 2020. Na ocasião o jogo foi paralisado por conta de xingamentos de cunho racista por parte da torcida do Caucaia. Fato que a diretoria da RAPOSA repudia, pois até hoje não temos históricos em nosso Estádio deste tipo de situação pois uma das coisas que mais primamos, é o respeito ao próximo seja ele quem for. Esperamos um posicionamento da entidade máxima do nosso futebol pelo lamentável fato", diz a nota.

Caucaia nega insultos e diz que atleta sequer prestou B.O.

O Caucaia, por sua vez, negou a versão do goleiro e ainda questionou o fato de ele não ter registrado Boletim de Ocorrência, "não podendo assim o clube seguir e colaborar com investigações futuras".

"O Caucaia Esporte Clube vem a público esclarecer sobre o ocorrido no jogo Caucaia x Barbalha, realizado no último domingo (19/01), em que foi computado na súmula da partida, um possível ato de racismo, supostamente realizado por pessoas que estavam na arquibancada mandante. No dia 19 de janeiro de 2020, no jogo Caucaia x Barbalha realizado no Raimundo de Oliveira, o árbitro relatou um ato racista para o goleiro adversário, Srº Sergio Augusto Abrao (Serjão) . A diretoria do Caucaia declara que imediatamente, denunciado o ato, tomou as providências e chamou as autoridades da Polícia Militar para, prevenindo, garantir a integridade do atleta, além de buscar a identificação do mesmo que supostamente cometeu tal ato", diz a nota oficial.

"O atleta envolvido no caso, não prestou B.O (Boletim de Ocorrência) junto à Delegacia de Plantão. Não podendo o Caucaia seguir e colaborar com investigações futuras. Vale salientar que também orientamos que nossos atletas do Caucaia, fossem até o local do ocorrido, para pedir que as pessoas que ali se encontravam, não repetissem tal ofensas ao atleta da equipe adversária. Até o exato momento não se teve testemunhas ou provas concludentes, mas o Caucaia segue disposto a colaborar com o caso", acrescenta.

"Declaramos que não concordamos de forma alguma com tal ato, caso realizado por "torcedor" caucaiense (que não merece ser chamado de torcedor). Aumentaremos nossa luta contra o racismo e esperamos que tal situação não venha ocorrer novamente. Respeito a todos, negros, brancos, LGBT's, indígenas e a sociedade em sua totalidade", completa a nota.

Questionado sobre a ausência do B.O., o goleiro do Barbalha justificou afirmando "não querer o mal de ninguém" e que "o que não traz felicidade deve ser deixado pra trás".

"Não, longe de mim. Aquilo que não nos traz felicidade deve ser deixado pra trás. Eu não quero o mal de ninguém. Só quero que situações como essa não aconteçam mais. E que a minha história seja exemplo para as pessoas denunciaram e não se calarem", completou.

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