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Paixão pelo Flamengo move torcedora que enfrenta doença sem cura

Sônia Souza Lima, torcedora do Flamengo portadora de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) - Paola Zanon/UOL
Sônia Souza Lima, torcedora do Flamengo portadora de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) Imagem: Paola Zanon/UOL
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Paola Zanon

Colaboração para o UOL, no Rio

13/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Sônia Souza Lima, 49, foi diagnosticada com Esclerose Lateral Amiotrófica
  • Internada a poucos quilômetros do Maracanã, comemora gols ao escutar os fogos
  • Recebeu mensagens de vídeo de Gabigol, Zico e outros em homenagem
  • "Quis trazer alegria para a vida dela e pensei no amor pelo Flamengo", diz médica

Líder do Campeonato Brasileiro, o Flamengo tem dado muita alegria aos seus torcedores nos últimos meses. Mas a alegria de uma flamenguista se destaca: Sônia Souza Lima, 49, portadora de uma doença sem cura. Nascida no centro do Rio de Janeiro, cresceu no Morro Santo Amaro, no Catete. Ela é filha de botafoguenses e não sabe explicar de onde veio a paixão pelo Rubro Negro carioca.

"Deve ser da barriga, nunca quis torcer para o Botafogo. Meu pai era Fogão roxo e minha mãe era mole, torcia também. Mas eu não", conta. Em 1980, quando Sônia tinha apenas dez anos, seu pai a levou para ver uma final da Taça Rio entre Botafogo e Flamengo. "Foi a maior loucura que já fiz. O Mengo fez três gols e eu comemorei todos, no meio da torcida do Bota. Meu pai quase apanhou por isso", fala aos risos.

Sônia teve sua vida mudada há um ano, quando começaram a surgir sintomas de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), uma doença que afeta o sistema nervoso de forma degenerativa. De início, apenas uma das mãos havia paralisado, e os médicos disseram que era ansiedade. A paralisia subiu para o braço e o diagnóstico passou a ser bursite. Só quando a doença avançou para as pernas e o outro braço, foram pedidos os exames para o diagnóstico final.

Mãe solteira de cinco filhos, Sônia mora em Santa Cruz, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Está internada desde agosto no Hospital Federal do Bonsucesso, Zona Norte da cidade, para tratar as dores causadas pela ELA. Na cabeceira de seu leito, há uma camiseta da Império Rubro Negro, torcida organizada do Flamengo. Apesar da doença, Sônia não tira o sorriso do rosto ao falar do seu time: "Eu sinto muita dor, mas o Mengão me faz esquecer tudo", diz ela.

Com a internação, a torcedora está há quase dois meses sem assistir aos jogos do Flamengo, o que a faz perguntar para os funcionários do hospital o placar em dias de partidas. "Eu presto atenção nos fogos, aí sei que foi gol do Mengão", conta. O hospital fica a poucos quilômetros do Estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã, sendo possível ouvir as comemorações dos torcedores.

Fanática, dona Sônia ainda tentou levantar da cama para mostrar uma tatuagem do time que tem nas costas, mas o esforço não era recomendado.

A médica residente Laíssa Galeão, que trata Sônia há pouco mais de um mês, também é flamenguista e quando percebeu a paixão que sua paciente tem pelo time, resolveu divulgar parte da história dela em suas redes sociais, na tentativa de chamar a atenção de jogadores e ex-jogadores. "Eu não aguentava mais dar notícia triste", conta a doutora. "É muito bom ser médico quando cura um paciente. Mas é horrível quando tem que dar uma notícia triste, estava me sentindo impotente", continua.

Laíssa sentiu que Sônia, que é sempre alegre, estava começando a desanimar por causa da internação longa: "O tratamento fica comprometido porque surgem sintomas de estresse e tristeza. Compromete a vontade de melhorar". Diante disso, a médica pensou no que poderia fazer para animar a paciente. "A medicina vai muito além de curar, é cuidar do paciente. Quis trazer alegria para a vida dela e pensei no amor pelo Flamengo."

Surpresa

A postagem de Laíssa tomou grandes proporções. Com a repercussão, a notícia chegou até a diretoria do Flamengo e a equipe de marketing do time entrou em contato com ela: "Me avisaram que iriam gravar vídeo com jogadores e dariam uma camisa com o nome dela, direto do jogador preferido, que é o Gabriel [Barbosa]".

Sônia completou 49 anos neste domingo. A equipe do hospital entrou em contato com a família dela e juntos, decidiram unir o útil ao agradável: seguraram os vídeos e a camiseta por alguns dias e prepararam uma festa em um dia que a família pudesse estar junto nesse momento. Na tarde do dia 3 de outubro, a torcedora foi levada a uma sala, onde se emocionou muito com a surpresa.

Jogadores como Gabigol e Rafinha enviaram mensagens de apoio para a paciente. Sônia faz parte da organizada Império, mas as demais organizadas do Rubro-Negro carioca também se comoveram e enviaram mensagens e presentes. Tanto ela, quanto a equipe, vibraram muito com o sucesso da ideia. Laíssa não esperava que sua postagem teria tamanho alcance. Até chegar a um dos maiores ídolos da história da

"Uma surpresa maravilhosa!", disse Sônia. "Quase morri quando vi o Zico, o coração ficou apertadinho", disse ela, que também recebeu mensagens dos ídolos Júnior e Andrade. A residente comemorou a emoção de sua paciente: "Agradeço a Deus por as pessoas ainda se sensibilizarem com a dor dos outros".

Sobre a ELA

A Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença neurodegenerativa, que afeta o sistema nervoso, acarretando na paralisia motora irreversível, ou seja, não tem cura. Pessoas com a doença sofrem a perda de capacidades como falar, se movimentar, engolir e até mesmo respirar. A ELA se tornou mais conhecida depois que o físico britânico Stephen Hawking foi diagnosticado com a enfermidade. O óbito, em geral, ocorre entre três e cinco anos após o diagnóstico.

Em 2014, um vídeo divulgado pelo jogador de golfe Chris Kennedy, mostrava sua prima jogando um balde de gelo sobre ela mesma, cumprindo um desafio para receber uma doação para o tratamento de seu marido, portador da ELA. O vídeo chamou a atenção do ex-jogador de beisebol, Pete Frates (1984-2017), também portador da doença. Ele viu nisso uma maneira de impulsionar as pesquisas sobre a cura da esclerose.

O vídeo viralizou após Mark Zuckerberg, criador do Facebook, divulgá-lo na rede social. A partir disso, vários atletas e artistas participaram do chamado Desafio do Balde de Gelo (originalmente "Ice Bucked Challenge").

Segundo a Associação Brasileira da Esclerose Amiotrófica, a ELA atinge 1,5 paciente a cada 100 mil habitantes. Os remédios e tratamentos apenas amenizam e retardam a progressão da doença e ajudam a melhorar a qualidade de vida dos portadores. As causas da doença ainda são desconhecidas.

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