Topo
Esporte

Jogador brasileiro viu da janela de casa tufão que matou dezenas na China

Brasileiro Rafael Martins em ação durante treino do Zhejiang Greentown, da China - Divulgação
Brasileiro Rafael Martins em ação durante treino do Zhejiang Greentown, da China Imagem: Divulgação
do UOL

Lucas Faraldo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

16/08/2019 04h00

Da artilharia histórica da Copa São Paulo para o olho de um furacão. Ou melhor: tufão. Assim pode ser resumida a trajetória do atacante Rafael Martins de uma ponta à outra da carreira. Hoje aos 30 anos de idade, ele defende o chinês Zhejiang Greentown e assistiu da janela de casa a um tufão que matou dezenas de pessoas, provocou o deslocamento de até um milhão de outras e ainda causa danos constantemente atualizados, até aqui estimados em R$ 14 bilhões no sudeste da China nos últimos dias.

Era tarde de sexta-feira da semana passada (9) quando Rafael e seus colegas de equipe treinavam para o jogo de domingo, que aconteceria ali mesmo na cidade de Hangzhou, capital da província de Zhejiang. Ventos e chuva atrapalharam a atividade, mas não impediram o Greentown de realizar a atividade. Os jogadores foram liberados antes de escurecer, e o brasileiro, preocupado com as condições climáticas, foi direto para casa.

"Cheguei no meu apartamento e começou a apertar a chuva e o vento umas oito da noite. O pessoal do time no grupo [de WhatsApp] mandava vídeo das ruas com as coisas voando e tudo, pedindo para não sairmos de casa. No meu telefone chinês também chega um aviso de alerta vermelho para não sair para a rua", diz Rafael, em entrevista ao UOL Esporte.

"Você escuta tufão e já fica assustado, né? Mas conseguimos até treinar no dia. Começou a chuva muito forte durante o dia, mas os ventos mais fortes seriam de madrugada", conta.

Band: Tufão Lekima causa destruição na China

Band News

De acordo com as autoridades locais, o tufão tocou a terra restando 15 minutos para as 2h do horário local (14h45 de sexta-feira, em Brasília). A província atingida inicialmente e com mais força pelos ventos e pela chuva provenientes do ciclone foi justamente a de Zhejiang, de onde 700 mil pessoas foram evacuadas. Outras 253 mil deixaram Xangai, a maior cidade da China, rumo a locais seguros. Os números são da agência de notícias oficial do governo local.

"Os aeroportos foram fechados, as linhas de trem, o pessoal pedindo para não sair para a rua? E dentro de casa mesmo você via que o vento estava muito forte. Moro em Hangzhou, onde passou o tufão mesmo. Os lugares da província onde houve mais danos foram regiões de mares, rios, com mais problemas de alagamentos", relata Rafael.

Os tais alagamentos geraram 49 mortes de acordo com os dados atualizados nessa quarta-feira. Ainda há outras dezenas de desaparecidos. Há risco de crescer o número de vítimas fatais.

"Moro no centro, então estou relativamente longe dos rios. Mas moro em um condomínio, no sétimo andar, com vidro duplo nas janelas e escutava a chuva, o vento, tudo. Nunca escuto nada da rua, e aquela noite escutava tudo, o vento muito forte. Foi a situação mais intensa pela qual passei em questão de natureza, de chuvas, alagamentos", descreve o atacante.

Esse nem foi o primeiro tufão pelo qual Rafael passou. Atualmente em sua segunda temporada na China, o brasileiro viu de perto o mesmo fenômeno no ano passado, mas em menor intensidade. Segundo a imprensa local, o tufão desse último fim de semana foi o maior a atingir o país desde 2014. A localização de Zhejiang, banhada pelo Oceano Pacífico nas proximidades das Filipinas, é propícia a fenômenos como esse, originados por ciclones tropicais formados justamente em alto-mar.

"É estranho, foram dias de muita chuva e muito vento, algo caótico. Mas o pessoal falou para ficar tranquilo, porque é uma situação normal aqui, e a China está preparada para isso. Em alguns lugares da cidade caíram árvores e tal, mas não teve desastre como estamos acostumados em situações de chuvas muito fortes no Brasil. Nesse sentido, os chineses estão bem avançados, preparados", comenta Rafael.

E põe preparo nisso. Apesar do caos gerado nas regiões de Zhejiang mais afastadas da capital, o jogo entre Greentown e Liaoning Whowin, pela segunda divisão do Campeonato Chinês, aconteceu normalmente em Hangzhou no domingo e foi vencido pelos mandantes por 4 a 1. A liga local adiou só três jogos, sendo dois deles na segunda divisão e outro na primeira.

"Havia risco naqueles jogos, um vento muito grande, chuva forte, muita gente num estádio, é perigoso. A Associação Chinesa é bem organizada nesse quesito", opina Rafael, se referindo à precaução dos dirigentes diante do mau tempo que seguia atingindo o país.

Não houve, no entanto, qualquer cancelamento de partida (muito menos rodada) por motivo de luto - situação semelhante à do Campeonato Mineiro em meio à tragédia de Brumadinho, no último mês de janeiro, como citado pelo brasileiro: "Você pega a questão de Brumadinho, no Brasil, as pessoas poderiam ter mais respeito, né? Porque são situações que chocam um país. Quem sou eu para decidir alguma coisa, mas acho que a rodada do campeonato poderia ser adiada em respeito às vítimas, às famílias", opinou.

Artilheiro da Copinha, safra de Pato e reencontros com Paulinho e Boi Bandido

Muito antes de se pegar assistindo a um tufão da janela de casa do outro lado do mundo, Rafael Martins despontava em solo brasileiro em trajetória que lhe renderia a marca de maior artilheiro da história da Copa São Paulo de Futebol Júnior.

Nas categorias de base do Pão de Açúcar, que se tornaria o hoje conhecido Audax, o jovem atacante cresceu ao lado do volante Paulinho, ex-Corinthians e hoje também desbravador do futebol chinês com a camisa do Guangzhou Evergrande. Foi pelo Pão de Açúcar que Rafael estreou em Copinhas, com apenas 16 anos - o mais jovem daquela edição do torneio sub-20 junto com o até então não muito conhecido Alexandre Pato, do Internacional.

Rafael Martins disputaria a Copa São Paulo de Futebol Júnior três vezes, entre 2006 e 2008. Os clubes defendidos foram Pão de Açúcar, Internacional e Grêmio - no último, atuou com Aloísio Boi Bandido, hoje também na China. Nos três anos, fez, respectivamente, sete, um e oito gols, totalizando 16. Além disso, iniciou o namoro que se tornaria casamento e consequente mudança em definitivo para Porto Alegre, onde tem casa e família até os dias atuais.

Os 16 gols em Copinhas fazem de Rafael o maior artilheiro geral entre todas as 50 edições do torneio. A marca, claro, orgulha o atacante. "Isso significou bastante para mim. Estou fora do país há muito tempo, não sei se ainda é, mas a Copinha sempre foi uma competição de muita visibilidade", recorda o atacante, que não joga no Brasil desde 2013.

A carreira de Rafael Martins em seu país-natal é relativamente curta. Entre 2010 e 2013, defendeu Grêmio Prudente na Série A do Brasileirão, e jogou também por ABC e Osasco Audax. Antes, havia passado pelo time B do Zaragoza, da Espanha. Voltaria à Península Ibérica em 2013 para nunca mais retornar profissionalmente ao Brasil: vestiu as cores de Vitória Setúbal, Moreirense e Vitória Guimarães em Portugal e Levante na Espanha. Do sudoeste da Europa, partiu rumo ao sudeste da Ásia em 2018 para defender o Greentown, clube com o qual tem contrato até junho de 2020.

"O Brasil tem esse problema de muitos jogadores saírem cedo do país por falta de oportunidade, com talento. Aí aparece oportunidade fora e acaba saindo, que é o que aconteceu comigo. Não há aquela valorização dentro do seu país. Aí tem fora, e as coisas acabam correndo melhor", argumenta o hoje experiente atleta.

A bronca de Rafael com o futebol brasileiro é grande a ponto de, ao menos por ora, nem tufões tirarem sua cabeça da China. Em 2016, o Cruzeiro fracassou na tentativa de repatriar o então artilheiro do Moreirense, que fechou aquela temporada com 20 gols em 31 jogos.

"Minha carreira construí fora do Brasil, estou muito tempo fora então não tenho aquela vontade de regressar. Já teve interesse de clubes, contato e tudo, mas nunca pensei em voltar, no momento pelo menos. Estou feliz", declara.

Esporte