Luiz Gomes: 'Há formas mais inteligentes de proteger os técnicos'
Não foi surpresa a rejeição pelos clubes da proposta da CBF de limitar a apenas uma a troca de treinadores durante o Brasileirão de 2019. A intenção da entidade pode até ter sido positiva. Mas uma medida assim, que bate de frente com uma das práticas - ainda que condenável - das mais usuais do futebol nacional, realmente precisa de estudos mais detalhados e não pode ser decidida de forma superficial como o assunto foi tratado na reunião do conselho arbitral do campeonato, sexta-feira no Rio.
Não foi a primeira vez que a CBF propôs esse tipo de limitação. Em edições anteriores do Brasileirão, tentou passar o limite de até duas trocas por clube, o que também foi rejeitado sem muita discussão. Ao seguir essa linha, a entidade atende a demandas de entidades de classe como a Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol (FBTF) e a Associação Brasileira de Treinadores de Futebol (ABTF) que há muito defendem medidas de proteção da categoria, principalmente um mínimo de estabilidade nas relações trabalhistas.
O combate ao troca-troca é necessário. Mas a simples limitação da mudança dos treinadores soa como algo arbitrário. Mais do que isso, pode ser encarada como uma interferência direta na gestão dos clubes, retirando deles o poder de trabalhar com quem julga ser melhor para essa ou aquela função. Há formas mais inteligentes e eficazes de proteger os treinadores. Boa parte delas, inclusive, já expressas em projeto de lei que tramita no Congresso Nacional desde 2014 e que, após o acidente aéreo da Chapecoense, recebeu o nome de Lei Caio Junior, em homenagem ao técnico que foi uma das vítimas da tragédia.
O projeto - que o próprio Caio Junior ajudou a elaborar como fundador da FBTF - estabelece mecanismos legais que modificam fortemente a relação dos treinadores com os clubes, reduzem a fragilidade dos contratos de trabalho, mas sem interferir na livre decisão dos empregadores. Entre os pontos previstos estão o estabelecimento de um tempo mínimo de seis meses de vínculo - o que não significa que ele não pode ser rompido, desde que cumpridas as exigências impostas pela nova lei - a obrigatoriedade de registro dos contratos na CBF e o pagamento de direitos de arena, hoje restrito na maior parte dos clubes aos jogadores.
A grande mudança, contudo, que funcionaria com a aprovação da nova lei, é a obrigatoriedade de acerto e pagamento efetivo de todas as pendências contratuais do clube com o treinador, quando esse for dispensado, antes da contratação de um novo profissional. A aposta da categoria é que esse dispositivo funcione como um desestímulo às demissões precipitadas e ilimitadas como acontece atualmente. Vale lembrar que, hoje em dia, há clubes que chegam a pagar salários a dois ou três técnicos simultaneamente por conta de rescisões atabalhoadas de contratos que, não raramente, terminam na Justiça. E não é bom para ninguém.
Nos últimos anos, a CBF, justiça seja feita, tem se preocupado com a valorização da profissão de treinador. Os cursos de formação, que todos estão obrigados a fazer para obter a licença de trabalho nos clubes. É um passo importante, inclusive, para que se abra o mercado internacional de trabalho para os técnicos brasileiros já que a falta de uma licença reconhecida pela Fifa é um dos principais problemas que a categoria enfrenta hoje.
A recusa da limitação das demissões não deve, assim, ser encarada como uma derrota dos treinadores. Questões que não foram abordadas na proposta da CBF, como se a demissão por justa causa e não por desempenho técnico entraria na cota da limitação, precisam ser respondidas. Independentemente do resultado, a volta do assunto ao Conselho Arbitral do Brasileirão deve ser um estímulo para que novas gestões sejam feitas- inclusive mobilizando a CBF e alguns clubes que já se mostraram favoráveis à causa - para destravar a tramitação e aprovar a Lei Caio Junior no Congresso. O diálogo amplo, sem dúvidas, é o melhor caminho para por fim ao troca-troca que não interessa a ninguém.