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Fake news no Brasil: uma guerra ideológica e de receita publicitária

05/06/2020 17h01

Carla Samon Ros, São Paulo, 5 jun (EFE).- Da trincheira ideológica à asfixia financeira, a guerra das 'fake news' no Brasil se intensificou desde que uma conta no Twitter persuadiu centenas de empresas a remover anúncios por meio de anúncios de mídia programática do Google de um portal investigado por divulgar notícias falsas, atingindo assim sua principal fonte de receita.

Escondido no anonimato das redes sociais, o Sleeping Giants Brasil, que tem mais de 350 mil seguidores, tem causado agitação em sites que estão próximos ao discurso do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ao denunciar a "censura ideológica direta" por estigmatizá-los aos olhos dos anunciantes.

Essa iniciativa anônima, que alega promover "uma luta coletiva de cidadãos contra o discurso de ódio", se dedica a chamar a atenção de empresas mostrando que seus anúncios estão em portais investigados por disseminação de fake news. Seu primeiro alvo foi o Jornal da Cidade Online.

O criador da conta Sleeping Giants Brazil concedeu uma entrevista por e-mail à Agência Efe sob a condição de anonimato, alegando razões de segurança.

A escolha do Jornal da Cidade Online, segundo ele, ocorreu pelo alcance - "só em abril recebeu mais de 34 bilhões de acessos", disse - e por "sua mensagem odiosa" e "as famosas fake news que são constantemente propagadas pela página".

Em apenas duas semanas, o perfil conseguiu que mais de 200 empresas se comprometessem a retirar seus anúncios do portal considerado "bolsonarista". Entre eles estavam os de gigantes como Mercedes Benz, Nissan, Fiat, Ford, Facebook e McDonald's.

"Não podemos calcular os prejuízos causados pela retirada desses anúncios, é tudo muito recente, mas sabemos que conseguimos colocar em análise uma campanha que iria gerar mais de R$ 220 mil em um ano", comentou.

O Jornal da Cidade Online está sendo investigado por uma comissão do Congresso por seu papel na divulgação de notícias falsas.

Nesta semana, o Sleeping Giants Brasil declarou guerra a outro portal ideologicamente ligado ao governo Bolsonaro, o Conexão Política.

"ARMADILHA PERIGOSA".

O editor do Jornal da Cidade Online, José Tolentino, reconheceu à Efe que "algumas empresas passaram a não fazer mais propaganda" neste portal definido por ele como "conservador liberal", mas evitou dar detalhes do quanto deixou de faturar.

"Já denunciamos algumas empresas (...) que caíram em uma perigosa armadilha" e que "estão sendo induzidas ao erro e à autoconsciência por acreditar naqueles que agem de má fé", lamentou.

Segundo Tolentino, o Sleeping Giants é "uma página misteriosa, obscura, oculta, de natureza desconhecida e propagadora de fake news", e "ninguém sabe quem é o autor", o que de acordo com ele "não deixa de ser uma imensa covardia antiética que deveria ser repudiada pela própria plataforma" do Twitter.

"O objetivo claro deste site pirata é sufocar economicamente nosso jornal porque ele não concorda com a linha editorial", ou seja, é "censura ideológica direta, feita da forma mais sórdida e ilegal possível", criticou.

INDIGNAÇÃO DO GOVERNO E DO CLÃ BOLSONARO.

Em um de seus primeiros atos no país e também o mais polêmico, o Sleeping Giants avisou ao Banco do Brasil que estava anunciando no Jornal da Cidade Online.

A reação imediata do banco foi retirar os anúncios da plataforma, uma decisão que gerou a indignação do clã Bolsonaro.

Entre os mais críticos estava um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, que está sendo investigado por seus supostos vínculos com grupos que espalham fake news em redes sociais.

O chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social do governo, Fabio Wajngarten, também protestou contra o Sleeping Giants.

"A censura ideológica usa vários disfarces, e os mais comuns hoje são as agências de verificação e o chamado jornalismo progressista", escreveu o chefe de comunicação da presidência no Twitter, além de ter defendido o "trabalho muito sério" do Jornal da Cidade Online e a "importância do jornalismo independente".

Diante de tais repercussões, o Banco do Brasil voltou atrás e retirou a restrição publicitária à plataforma associada ao bolsonarismo, na qual desde janeiro de 2019 havia desembolsado R$ 2.855.

A versão oficial do banco, divulgada em comunicado ao qual a Efe teve acesso, é que o banco "decidiu reverter a suspensão" da publicidade do Jornal da Cidade Online após considerar as políticas das "ferramentas de mídia programática".

Sem fornecer mais detalhes, ele disse que essas ferramentas "não permitem anúncios em sites que publicam declarações falsas, divulgam conteúdo enganoso ou omitem informações".

INSPIRADO EM INICIATIVA AMERICANA.

O Sleeping Giants Brazil nasceu em maio de 2020, inspirado em uma conta com o mesmo nome nos Estados Unidos, que, iniciada em novembro de 2016, fez com que o Breitbart News, portal liderado pelo guru da extrema-direita Steve Bannon - ex-conselheiro de Donald Trump - tivesse perdas equivalentes a mais de R$ 50 milhões.

Em apenas uma semana, a versão brasileira superou os 285 mil seguidores que o perfil americano conseguiu em quatro anos.

O nascimento dessa conta coincidiu com a entrada no ponto de mira da justiça brasileira de uma suposta "máquina de propaganda" bolsonarista, sob a suspeita de um uso maciço de "exércitos de robôs" para espalhar notícias falsas durante a campanha para as eleições de 2018. A suspeita sempre foi negada pela família Bolsonaro.

O Google, cuja plataforma AdSense foi usada para a divulgação dos anúncios nos sites denunciados pelo Sleeping Giants Brasil, informou à Efe que "tem políticas rígidas que regem os tipos de conteúdo que podem ser monetizados" através de suas plataformas.

"Estamos trabalhando para levantar conteúdo de alta qualidade de fontes confiáveis. Sempre que encontramos editoras que violam nossas políticas, tomamos medidas imediatas", disse a empresa.

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