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Jovem negro que ficou sob mira de fuzil da PM tem projeto social na favela

Jorge Hudson da Silva, de 27 anos, ficou sob a mira do fuzil de um policial militar ontem durante o protesto Vidas Negras Importam - VANESSA ATALIBA/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Jorge Hudson da Silva, de 27 anos, ficou sob a mira do fuzil de um policial militar ontem durante o protesto Vidas Negras Importam Imagem: VANESSA ATALIBA/ZIMEL PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
do UOL

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

02/06/2020 15h43

Jorge Hudson da Silva, 27 anos, o pai de família e entregador de aplicativo que ficou sob a mira do fuzil de um PM no Rio, acusado injustamente de quebrar o vidro de uma viatura, é um agitador, mas estamos falando de cultura. Poeta e rapper, ele comanda há um ano um coletivo artístico independente no morro Santo Amaro, onde vive na zona sul carioca, batizado de Vulgo Coletivo.

O projeto é formado por cerca de dez jovens que têm como objetivo divulgar arte e cultura na favela, promovendo eventos de música, audiovisual, fotografia, gastronomia e esporte. Diferentemente do tradicional Nós do Morro, do Vidigal, o coletivo não tem status de ONG nem financiamento. Sobrevive apenas de contribuições de integrantes e comunidade. O foco está nas crianças.

Nosso objetivo é divulgar nossas próprias artes. Queremos fazer um trabalho de conscientização em crianças. O intuito é que elas absorvam nossa mensagem para não ir para o lado do crime. Para que cresçam sabendo o que é certo e o que é errado.

Hudson, fundador do Vulgo Coletivo

Estreia

O coletivo ainda está dando os primeiros passos, e a pandemia interrompeu planos. Ainda há pouco material divulgado na internet e redes sociais. A primeira poesia de Hudson dentro do projeto foi divulgada hoje, em um vídeo gravado em uma escola pública do morro. Sob o olhar atento de dezenas de crianças, ele versa sobre racismo e a violência contra a população negra.

Muitos falaram que era uma coisa agressiva para se falar para crianças. Mas não acho que seja. Não tem palavrão. O que tem é realidade. Se a criança não viu aquilo, uma hora vai ver. Se hoje ela pegar uma rede social ou um jornal, vai ver uma pessoa da comunidade sendo ameaçada com um fuzil na cara.

Improviso e o espírito 'faça você mesmo'

Sem grana para investir no Vulgo Coletivo, cuja sede improvisada fica na casa de um dos integrantes, o entregador montou recentemente com os colegas um mini-estúdio no local, onde pretende gravar as primeiras músicas. O microfone, de R$ 80, foi cedido por um amigo. O resto veio de um misto de inventividade, improviso e espírito colaborativo.

Vimos que precisávamos construir uma cabine acústica. Botei no Google para aprender como fazer. Catei três pedaços de madeira numa lixeira no morro, cortei e coloquei dobradiça. Daí achei espuma no lixo fazendo entrega em Copacabana, e a usamos no revestimento. Criamos uma cabine reciclável e sem gastar nada.

Rap

A ideia do Vulgo Coletivo é começar a gravar as músicas em breve, com auxílio de um integrante DJ e colaborações com produtores da comunidade ou de fora dela. Cerca de 20 músicas já foram compostas. O material será despejado no Instagram, YouTube e Soundcloud. Ideia é também produzir clipes com as temáticas da inclusão social e da vida no morro.

A gente não tem nada e não ganha nada com isso. Mas, se soltarmos um som amador, a música não vai para o rádio e ninguém vai ouvir. Conteúdo a gente tem muito. Letras que eram para estarem no rádio, mas não estão. Porque o momento não é de falar de ostentação, de droga, de arma. É de conscientizar as pessoas a não irem por esse caminho.

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