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Bárbara Paz constrói retrato intimista de Babenco em sua estreia na direção

20/08/2019 10h11

Nayara Batschke.

São Paulo, 20 ago (EFE).- Um retrato íntimo do homem por trás do gênio cinematográfico Hector Babenco, indicado ao Oscar por "O beijo da mulher aranha" (1985) e que faleceu em 2016, é o fio condutor do filme "Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou", dirigido por Bárbara Paz e selecionado para o Festival de Cinema de Veneza.

O documentario marca a estreia da atriz, que foi casada com Babenco até o dia de sua morte, como diretora de um longa. Ela define sua primeira obra atrás das câmeras como um "poema visual" que presta homenagem a "um grande homem que, por acaso, também era cineasta".

"Minha maior responsabilidade foi contar sobre esse homem que lutou a vida toda contra uma doença e só se manteve vivo por causa do cinema, sua paixão", contou Paz, que abriu à Efe as portas de seu apartamento, no centro de São Paulo.

O documentário, que está em fase final de montagem, será lançado mundialmente na mostra "Venice Classics", da 76ª edição do Festival de Cinema de Veneza, na Itália, que acontecerá de 28 de agosto a 7 de setembro.

Através de uma estética sóbria, com fotografia em preto e branco e uma narrativa intimista, o longa traça um paralelo entre a vida artística e a frágil saúde de Babenco, acometido por um câncer linfático que o obrigou a realizar um transplante de medula nos anos 1990.

Entre fragmentos de diálogos, poemas e silêncios ensurdecedores, a diretora desnuda aos espectadores os medos e as ansiedades do cineasta argentino naturalizado brasileiro, mas também suas memórias, reflexões e formas de criar.

"Eu já vivi a minha morte, agora só falta fazer um filme sobre ela", falou um dia Babenco à esposa, quando percebeu que não lhe restava muito tempo de vida. Paz então aceitou a "missão" e registrou as últimas lembranças do companheiro neste longa, considerado também como um "último adeus".

"A morte visitou o Hector tantas vezes que nós passamos a acreditar que ele era infinito, que jamais morreria", disse.

E é essa ácida ironia - sobre o notável papel que a morte desempenhou na vida de Babenco - que é capturada nos mínimos detalhes pelas lentes do casal.

Desde o primeiro câncer, aos 38 anos, até sua morte em 2016, aos 70, e entre inúmeras idas e vindas de hospitais, o celebrado diretor encontrou no cinema um refúgio para continuar vivo.

"O curioso é que, com esse projeto, no fim das contas Hector permaneceu aqui. Ele foi embora, mas eu não parei de editar o filme, de escutá-lo e consultá-lo quando tinha dúvidas", afirmou.

Assim, em um mergulho profundo às entranhas de suas memórias, Babenco se desnuda e se permite gravar, lúcido e consciente, em situações íntimas e dolorosas.

"Estou ciente que, agora, quando o filme nascer, vai ficar um vazio. Porque o Hector segue aqui comigo, mas assim que o filme for lançado, ele será de todo mundo", contou.

Muito além de todo um ícone da Sétima Arte, com títulos como "Pixote, a lei do mais fraco" (1981), "Meu amigo hindu" (2016) e o aclamado Carandiru (2003) no currículo, o marido é descrito por Paz como um homem "difícil, inquieto e muito descofiado com o ser humano", mas, acima de tudo, como "um grande pensador".

"Era uma pessoa muito inteligente, que lia o dia todo e um cara que tinha na literatura e na música clássica a sua essência", ressaltou.

"Sempre foi um jovem velho, um sobrevivente e um cara que tinha uma personalidade única", acrescentou Paz.

De origem judaica, nascido em Mar del Plata, na Argentina, e radicado no Brasil desde os anos 1960, Babenco "nunca se calava" e seus constantes rompantes de sinceridade fizeram com que "muita gente sentisse raiva dele".

Mesmo assim, sem nunca abandonar seu espirituoso senso de humor, o cineasta costumava brincar que adoraria saber "o que as pessoas escreveriam em seu obituário" depois que morresse.

"Muita gente não compreendia o leão que ele era (...), um homem cuja enorme profundidade me cativou", explicou Paz.

Paz garante estar satisfeita com o resultado de sua primeira experiência na direção de um longa e espera que o marido se sinta "orgulhoso, esteja onde estiver".

"Fiz o possível para deixá-lo bonito do jeito que ele gostaria. A vida é uma só e é breve. O único que espero é que a platéia se apaixone por Hector da mesma forma que eu me apaixonei", destacou. EFE

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