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Maria da Paz da vida real, ex-boia-fria vira milionária vendendo bolos

A empresária Cleusa Maria da Silva, dona da Sodiê Doces, inspirou a personagem de Juliana Paes  - Divulgação
A empresária Cleusa Maria da Silva, dona da Sodiê Doces, inspirou a personagem de Juliana Paes Imagem: Divulgação
do UOL

Felipe Pinheiro

Do UOL, em São Paulo

27/06/2019 04h00

Quem é a verdadeira Dona do Pedaço? Juliana Paes dá vida à boleira Maria da Paz na novela das nove da Globo, mas a personagem de origem humilde que muda de vida tem grande inspiração na empresária Cleusa Maria da Silva, que se tornou dona de uma das confeitarias mais famosas do Brasil. E a semelhança entre a proprietária da Sodiê Doces com a ricaça do horário nobre da televisão vai muito além do nome em comum das duas.

Cleusa faz parte da terceira geração de boias-frias da família e assim como Maria da Paz trabalhou como empregada doméstica. A seguir, a empresária, que abrirá em julho a primeira loja no exterior, nos Estados Unidos, conta como realizou o sonho de mudar de vida "com muito suor e trabalho de domingo a domingo", como enfatiza.

"Meus avós eram boias-frias, meus pais e eu também. Desde criança, sempre fui muito inconformada. Eu via minha mãe muito conformada. Digo conformada porque nunca a vi reclamando da vida.

A gente não passava fome, mas a vida era duríssima. Era literalmente pão e água, ou macarrão e água, porque nem sal tinha. Tudo que já era difícil ficou pior quando meu pai faleceu.

Nosso patrão mandou a gente embora do sítio porque para ele não interessava uma viúva com 10 filhos pequenos. E aí minha mãe foi com aquele bando de crianças trabalhar de boia-fria. Levantávamos às 5h da manhã, com sol e chuva. Era um negócio surreal.

Cleusa Maria, a dona da Sodiê Doces, com o filho Diego - Divulgação - Divulgação
Cleusa Maria, a dona da Sodiê Doces, com o filho Diego
Imagem: Divulgação
Morávamos em uma casa de dois cômodos, em que dormiam 10 pessoas num quarto com cama e duas beliches. Hoje não posso nem imaginar como a gente conseguia isso. Eu via uma casa bonita e imaginava que um dia teria uma daquelas. Eu tinha algo dentro de mim de que minha vida iria mudar. Era insatisfeita de dia e sonhava à noite.

Aos 12 anos andava de caminhão pau de arara, cortava cana, capinava soja, colhia algodão... Fiz de tudo na lavoura.

Aos 16, meu tio pediu para a minha mãe uma das crianças para ele ajudar e ela disse que não daria um filho dela. Eu escutei a conversa e falei: 'Eu quero ir com o meu tio para São Paulo'. Ele deixou o endereço e foi embora. Tomei o ônibus sozinha e fui. Fiquei assustada, eu vinha de uma cidade selvagem, mas consegui chegar na casa do meu tio e comecei a trabalhar de empregada doméstica.

Tinha um monte de gente que trabalhava na casa: motorista, passadeira, governanta... Eu era arrumadeira. Mas aquilo me deixava muito indignada. Se na minha casa tinha um sabonete para 10 filhos, lá tinham várias caixas fechadas. Tive um choque de realidade assustador. Senti indignação por uma diferença tão brutal, mas ao mesmo tempo uma vontade imensa de buscar uma vida melhor. Voltei a estudar, trabalhava durante o dia e fazia supletivo à noite. Essa foi minha primeira atitude para mudar de vida.

O início da virada

Após completar a 8ª série, voltei para o interior de São Paulo, em Salto, e fui buscar trabalho numa empresa de alto-falantes. Minha mãe e meus avós continuavam como boias-frias. Fiquei cinco anos nessa empresa. Tinha um salário ao fim do mês, eu adorava! Depois houve uma terceirização e mudei com o meu gerente para uma empresa menor. Meses depois, ele descobriu uma doença grave e faleceu em pouco tempo. A esposa dele fazia bolos para vender para fora.

Um dia ela quebrou a perna e me pediu para fazer um bolo de casamento de 35 quilos para a sobrinha. Ela se sentou numa cadeira com a perna quebrada e me ensinou a fazer o bolo. Depois, me falou: 'Você é uma pessoa abençoada e conseguiu em um dia fazer o que eu levei 10 anos para conseguir'.

Até então eu nunca tinha feito bolo. Nunca nem mesmo tinha ganhado uma festa de aniversário. Minha família era muito pobre. Bolo era luxo.


Depois de dois anos, pedi para ela me mandar embora e, com o dinheiro da rescisão, abri em um espaço de 20 metros quadrados a minha primeira loja, que se chamava Sensações Doces. Trabalhava de domingo a domingo, de manhã até a noite. Eu mesma fazia e vendia os bolos. Fiquei quase um ano sem funcionários.

Um dia veio um cliente que me falou: 'Por que você não abre uma loja em São Paulo?'. Ele disse que tinha um tipo de negócio que se chamava 'franchise' [franquia, em inglês]. Eu nunca tinha ouvido falar. Ele foi muito incisivo e um dia eu vim pra São Paulo onde fiz um curso, estudei tudo sobre franquia e quinze dias depois vendi a minha primeira franquia para esse cliente. Dois anos depois eu já tinha mais de 50 lojas.

"Uma coisa de Deus"

Cleusa Maria: "Valeu a pena cada noite sem dormir, cada vez que chorei cansada debaixo do chuveiro" - Divulgação - Divulgação
Cleusa Maria: "Valeu a pena cada noite sem dormir, cada vez que chorei cansada debaixo do chuveiro"
Imagem: Divulgação
Um dia descobri que minha marca não passava pelo INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), pois uma empresa suíça havia pedido para indeferir. Não dei muita importância, até que resolvi descobrir qual era a empresa. Era ninguém menos que a Nestlé. Entrei em desespero! Com uma gigante como aquela o que eu iria fazer? A Nestlé registrou o chocolate Sensação, então eu não ia conseguir o registro da marca.

Certo dia, a minha gerente escreveu num guardanapo: 'Aqui está o nome da sua loja. Não significa nada para você?'. Eu já estava sem dormir procurando pelo nome quando ela falou: 'É a união dos nomes dos seus dois filhos: So de Sofia e Die de Diego. Sodiê'. Eu saí chorando com aquele papel na mão e a Sensações Doces virou Sodiê Doces. Foi uma coisa de Deus.

Valeu a pena

Desde o início, tudo o que ganhei investi na empresa. Se quisesse que ela crescesse precisava investir cada centavo que eu ganhava.

Hoje a Sodiê fatura aproximadamente R$ 290 milhões por ano. Mas nunca tive ilusão de comprar um carrão ou de ostentar. A primeira coisa que fiz foi comprar uma casa para mim em Salto e construí uma casa confortável para minha mãe, que era o meu sonho de consumo.

Todos os meus irmãos estão envolvidos com a empresa. Consegui mudar a vida de toda a minha família. Tenho orgulho e descobri que valeu a pena cada noite sem dormir, cada vez que chorei debaixo do chuveiro, cansada. Vale a pena acreditar, ter foco e ver a vida mudar. Isso não tem preço.

A "ajuda" de Ana Maria Braga

Cleusa com os filhos e a mãe dela ao lado de Ana Maria Braga em campanha publicitária feita com a apresentadora da Globo   - Divulgação - Divulgação
Cleusa com os filhos e a mãe dela ao lado de Ana Maria Braga em campanha publicitária feita com a apresentadora da Globo
Imagem: Divulgação
Ana Maria Braga me ajudou a tirar minha mãe da vida de boia-fria. Eu já tinha a minha loja e buscava um caminho para ajudar a minha mãe a deixar de trabalhar na lavoura, mas não sabia como.

Um dia vi a Ana Maria fazendo uma bala de prestígio e anotei a receita. Em menos de seis meses ela deixou de ser boia-fria e já estava fazendo bala para eu vender na loja. Esse foi um dos momentos mais felizes da minha trajetória. Minha mãe já não precisava mais trabalhar de sol a sol e nem chegar em casa com o rosto sujo de carvão.

"Não sou nada perua"

Juliana Paes como Maria da Paz em "A Dona do Pedaço" - Victor Pollak/Globo - Victor Pollak/Globo
Juliana Paes como Maria da Paz em "A Dona do Pedaço"
Imagem: Victor Pollak/Globo
Ser representada pela Juliana Paes é um grande orgulho. Me identifiquei com a história, mas não com a personagem porque ela é muito perua. Eu não sou nada perua! Sou o oposto. Uma bela calça jeans e uma camiseta já está ótimo para mim. Não sou adepta de joias e nem de maquiagem. Fui criada assim. Acho lindo quem usa, mas sou muito simples.

Há dois anos fomos procurados pela produção [da Globo] para saber da minha história. Eles chegaram a visitar uma loja nossa.

Uma diferença é que os bolos [da Maria da Paz] são redondos e os meus são retangulares. Tem uma inspiração na minha história, da menina pobre que muda de vida vendendo bolo.

Mas ninguém merece uma filha daquelas! [Na novela, Josiane, interpretada por Agatha Moreira, sente vergonha da mãe boleira] Ao contrário da filha da Maria da Paz, meu filho tem um orgulho imenso da mãe que tem e da história linda que construímos juntos.

Não imaginava chegar tão longe, nem em sonhos. Só tinha vontade de ter uma vida melhor e dar uma vida melhor para meus filhos e minha mãe. É muito bom chegar onde cheguei, de forma gradativa e suada. Não tinha a ambição de ter 200 lojas, nem uma mansão ou o carro do ano.

O que eu queria era tirar minha mãe da vida de boia-fria e que meus filhos tivessem uma vida confortável. Tudo o que veio além disso foi porque sou uma pessoa obcecada por trabalho. As pessoas acham que é fácil, mas são mais de 20 anos de trabalho dia após dia só para ter um futuro melhor".

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