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Maria Fernanda Cândido encanta Cannes com filme sobre mafioso que viveu no Brasil

Maria Fernanda Cândido no Festival de Cannes - Samir Hussein/WireImage
Maria Fernanda Cândido no Festival de Cannes
Imagem: Samir Hussein/WireImage
do UOL

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Cannes

24/05/2019 13h46

Maria Fernanda Cândido já tinha visitado Cannes antes, mas só para conhecer a cidade onde ocorre o maior festival de cinema do mundo. Mal imaginava, porém, que um dia voltaria ao balneário francês, mas na condição de estrela de um dos filmes na disputa pela Palma de Ouro: "O Traidor", do prestigiado cineasta italiano Marco Bellocchio (de "Bom Dia, Noite").

Coproduzido pelos irmãos brasileiros Caio e Fabiano Gullane, da produtora Gullane, o filme conta a história do italiano Tommaso Buscetta, mafioso do grupo siciliano Cosa Nostra, que se refugiou no Brasil no começo dos anos 1980, quando abandonou a facção. Em meados daquela década, após ser preso e extraditado para seu país natal, ele decidiu colaborar com a Justiça italiana e, em uma espécie de "delação premiada", entregou uma série de detalhes e de nomes envolvidos nas atividades criminosas do sul da Itália.

Mas não o fez tanto por regalias: segundo o longa, Buscetta entregou os ex-colegas de crime por acreditar que a Cosa Nostra já não era mais a mesma de quando havia se filiado e, por isso, já não lhe devia mais qualquer tipo de respeito. Na visão de Bellochio, apesar de um criminoso, Buscetta tinha lá sua ética e seus valores.

Casado com uma brasileira, Buscetta foi um nome comum no noticiário do Brasil na década de 1980 - embora os jornalistas da época constantemente pronunciassem seu nome como "Busqueta", o mais correto seria algo próximo a "Bucheta". No filme, Maria Fernanda interpreta sua mulher, Maria Cristina, que o aconselhou a colaborar com a Justiça italiana, comandada pelo juiz Giovanni Falcone, que levaria centenas de mafiosos e políticos à cadeia (sua figura é uma das grandes inspirações do juiz Sergio Moro, na operação Lava Jato).

Desde sua primeira cena, Maria Fernanda reluz - ela aparece em uma festa, na Sicília, em um vestido de paetês verde-azulado, que ressaltam os belos olhos da atriz. Embora seu papel seja relativamente pequeno, ela tem uma atuação firme e recebe um tratamento de diva pela câmera de Bellocchio; fica evidente que o diretor italiano não a escolheu por acaso.

"O Bellocchio viu um material meu e ficou interessado, mas achou melhor ver também outras atrizes. Mas aí depois ele disse: 'Não: era mesmo aquela lá que eu queria!'", ri a atriz, em entrevista ao UOL. "Aí me chamou para ir até Roma, lá me deu o script. Fiz algumas leituras, trabalhos de improviso. E então ele falou que a Maria Cristina era minha. Fiquei absolutamente feliz, lisonjeada, porque é um diretor que admiro. É um dos grandes do mundo", diz sobre Bellocchio, que de fato é um dos maiores cineastas italianos vivos - tornou-se famoso nos anos 1960 por seu cinema engajado, mas também com tons intimistas, com filmes como "De Punhos Cerrados" (1965) e "A China É Vizinha" (1967).

Maria Fernanda Cândido faz pose para fotos em Cannes - Samir Hussein/WireImage - Samir Hussein/WireImage
Maria Fernanda Cândido faz pose para fotos em Cannes
Imagem: Samir Hussein/WireImage

Maria Fernanda desfilou ontem à noite com surpreendente calma pelo tapete vermelho e enfrentou sem medo os jornalistas na conversa com a imprensa de hoje cedo. Parecia em casa e sem deslumbre. "Não tenho essa coisa de ficar sonhando. Sim, tenho desejos, mas pra mim trabalhar com diretores pelos quais tenho admiração e afinidade é o que mais importa, e isso acontece com o Bellochio. Foi uma experiência muito rica."

Tommaso Buscetta morreu em 2000, mas Maria Cristina ainda está viva, morando em local desconhecido nos EUA. "Eu tentei, queria conversar com ela, ter mais informações [sobre sua vida], mas é impossível encontrá-la", diz Maria Fernanda. Acredita-se que Maria Cristina vive com nova identidade desde que se mudou para os EUA, por razões de segurança. Para compor a personagem, a atriz se valeu, então, das pesquisas dos roteiristas e produtores sobre ela.

"Tinha um material fotográfico muito grande e revelador dessa relação [entre ela e o marido]. Eles se amavam, você vê isso [nas imagens]", explica a atriz. "Era uma mulher muito culta, era advogada, falava umas seis ou sete línguas. E aí você vê essa mulher se apaixonar por um criminoso. Então você cai no campo daquelas questões para as quais a gente não encontra respostas fáceis. E isso, para o ator, é o que mais interessa: a complexidade do ser humano, o que você não consegue responder pela lógica linear."

O "traidor" a que se refere o título, a princípio, seria o próprio Buscetta, mas as coisas nunca surgem tão simplificadas no cinema de Bellocchio. "O filme deixa claro que não existe um herói, um mocinho, ou o 'certo': o filme não é sobre isso. Ele justamente aborda a complexidade humana. Se pensarmos no Buscetta como o traidor, ele seria então um traidor conservador. Ele trai a Cosa Nostra porque, para ele, ela estava desvirtuada", diz a atriz. "É como se ele traísse a máfia para poder salvá-la. Nem era uma traição, porque aquilo, para ele, já nem era mais a Cosa Nostra."

"Se você observa a trajetória humana, a traição é necessária. Porque se você não trai, não abandona a tradição, então não consegue alcançar o futuro", filosofa a atriz. "O longa tem uma ressonância total com o contemporâneo. Nós estamos nesse ponto, no instante em que olhamos pra trás e vemos o passado, toda nossa construção, e não sabemos bem o que fazer com ele. E não sabemos também exatamente qual o nosso caminho certo para o futuro."

O filme foi bastante elogiado pela crítica e é um dos favoritos à Palma de Ouro. Maria Fernanda conta que ouviu muitos elogios após a sessão. "As pessoas gostaram muito da personagem, vinham me cumprimentar. Me falavam muito da emoção que a personagem trazia, conseguiam sentir que era uma mulher que amava muito aquele homem. Foi isso que ficou pra mim [da noite de gala]", diz.

"O Traidor" deve estrear no Brasil no segundo semestre de 2019.

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