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China finca raízes na África por meio da difusão do mandarim

25/03/2019 06h10

Lucía Blanco Gracia.

Nairóbi, 25 mar (EFE).- Se alguém se descuidar e se perder no campus da Kenyatta University de Nairóbi, poderia se sentir, de repente, como um turista na Ásia, já que esta universidade conta com uma das quatro unidades do Instituto Confúcio (CI) que promovem a língua e a cultura da China no Quênia.

"No início é difícil (aprender o idioma), mas, quando se aprende, fica cada vez menos. Acredito que pode trazer oportunidades trabalhistas para o meu futuro profissional", disse à Agência Efe Rachel, uma estudante de Sociologia, quando perguntada por que decidiu estudar mandarim, a principal forma falada do chinês.

Nas últimas duas décadas, as crescentes relações econômicas entre a China e o continente africano foram acompanhadas de um esforço ativo do gigante asiático para expandir entre os jovens africanos o conhecimento da sua língua e de suas tradições.

De fato, desde a inauguração em 2005 do primeiro CI na região, em outro dos centros universitários mais importantes do Quênia, a Universidade de Nairóbi, sua presença se multiplicou em toda a África.

Atualmente, 41 países africanos abrigam um total de 54 unidades do Instituto Confúcio e 30 salas de aula independentes que estão vinculadas a estes centros.

A maior parte dos estudantes de mandarim na Kenyatta University aprendem esta língua porque acreditam "que lhes pode abrir oportunidades para desenvolver sua carreira", segundo um dos diretores do centro, Kamau Wango.

Outros alunos, no entanto, se aproximam do mandarim apenas por prazer. É o caso de Steve, um jovem estudante de Contabilidade, que ficou fascinado pelas artes marciais quando as descobriu há menos de um ano.

"Me inscrevi nas aulas de mandarim porque me pareceu único", comentou, depois de exibir seus recém-adquiridos dotes na disciplina do tai chi chuan. Com um semblante concentrado, Steve movimenta braços e pernas como se sustentasse o próprio ar.

Ele e outros colegas se reúnem várias vezes por semana no clube de estudantes do CI, onde deixam de lado a rotina das aulas e compartilham atividades para compreender melhor o país ao qual um dia esperam viajar: desde aprender a usar os palitos para comer até cozinhar receitas tradicionais.

Durante as últimas duas décadas, o governo chinês impulsionou a concessão de bolsas de estudos no país a estudantes africanos que queiram melhorar suas habilidades linguísticas e até mesmo cursar seu mestrado ou seu doutorado em mandarim.

Nos fóruns de cooperação entre a África e a China realizados desde o ano 2000, Pequim prometeu ajuda financeira para educação e, em 2015, se comprometeu a fornecer 30.000 bolsas de estudos até 2018.

Rachel pôde visitar o país quando participou de um acampamento de verão de duas semanas e ficou maravilhada. "É precioso, é tudo muito ordenado. Te dá ainda mais vontade de continuar estudando", destacou sorrindo.

A explosão cultural chinesa na África gerou também críticas de quem a considera propaganda ou uma nova colonização, mas Wango é taxativo neste sentido: "Não há nada de errado em que um país queira propagar sua cultura se isto favorece a cooperação e beneficia ambas partes".

Segundo Russell Kaschula, professor de estudos de línguas africanas na Rhodes University (África do Sul), "os americanos e os britânicos expandem sua cultura através de instituições como o British Council e, agora, o Instituto Confúcio está fazendo o mesmo".

No entanto, para Kaschula, "isto é muito diferente da colonização europeia do continente, porque os chineses estão trazendo grandes investimentos e crescimento de infraestruturas".

Por outro lado, o jornalista queniano especializado nas relações entre China e África, Mark Kapchanga, ressaltou que "esta aprendizagem não pode olhar para uma só economia, mas deveria ser bidirecional", de modo que a população chinesa estabelecida no continente africano aprenda línguas locais como o suajili, algo ainda muito minoritário.

Vários países africanos começaram a introduzir nos seus currículos escolares a aprendizagem de mandarim, por enquanto como matéria eletiva.

O Quênia, por exemplo, incluirá esta língua no novo currículo escolar que iniciará a partir de 2020.

Os estudantes quenianos poderão escolher entre o mandarim e o árabe e o francês ou o alemão a partir dos 10 anos, explicou à Efe uma das professoras do CI da Kenyatta University, Susan Wachira, que colaborou na edição dos livros de texto.

Nas suas aulas, esta professora incentiva, sobretudo, "a interação e o trabalho em grupo porque a principal dificuldade do mandarim é o vocabulário".

Segundo os últimos dados da Unesco, de 2010, apenas cerca de 200 línguas autóctones africanas são ensinadas nas salas de aula - sobretudo nos cursos de primário - frente a um total estimado de 1.500 a 2.000 línguas indígenas faladas no continente.

Kaschula e Kapchanga concordam que "as línguas africanas precisam de proteção política", e o professor universitário frisou que "os idiomas africanos minoritários estão mais ameaçados pelas línguas autóctones com mais poder, que têm interesse político e econômico, do que pelo mandarim".

Alheio a qualquer polêmica, Steve sonha em visitar um dia o país asiático, para o que já solicitou uma bolsa de estudos do governo chinês.

"Tenho vontade de viajar para a China para poder ver as crianças praticar tai chi chuan. Ali aprendem desde que são pequenos", salientou. EFE

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