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Como "You": as histórias de mulheres que foram perseguidas por stalkers

Cena da série "You", da Netflix - Divulgação/Netflix
Cena da série "You", da Netflix Imagem: Divulgação/Netflix

Bárbara Forte

Do BOL, em São Paulo

23/01/2019 06h00

A série "You" (Você, em português) tornou-se o mais novo sucesso de visualizações da Netflix. Logo no lançamento, o serviço de streaming previu que, em um mês, cerca de 40 milhões de espectadores já teriam visto os episódios da primeira temporada - a segunda foi confirmada nesta segunda-feira (22). A obra que tanto despertou a curiosidade do público é baseada no livro de Caroline Kepnes e conta a história de Joe (Penn Badgley), um gerente de livraria que se apaixona por Beck (Elizabeth Lail), uma aspirante a escritora. 

O que a mocinha da trama não sabe, porém, é que o admirador é um stalker, um perseguidor, na tradução do inglês. Apenas com a informação do nome dela, ele vasculha as redes sociais da jovem e, não satisfeito, sai do universo virtual, virando um verdadeiro perseguidor, que passa dos limites para conquistá-la e tê-la por perto. A temática delicada mostra, em diversos momentos, situações que também estão muito presentes nos noticiários e na vida em sociedade. 

A seguir, o BOL reúne relatos da vida real de seis mulheres que, assim como a personagem Beck, já viveram alguma situação em que se sentiram perseguidas. 

Joice recebeu flores no local de trabalho de um homem que até hoje não sabe quem é  - Flávio Florido/UOL - Flávio Florido/UOL
Joice recebeu flores no local de trabalho de um homem que até hoje não sabe quem é
Imagem: Flávio Florido/UOL

*Joice, 31 anos, bailarina e modelo 
Em 2017, quando comecei com a carreira de modelo, apareceu um homem nas minhas redes sociais, que eu não conhecia, me perguntando quando eu ia dançar - eu sou bailarina também. Ele disse que tinha me achado através de um fotógrafo, meu amigo. Eu achei meio estranho no início, mas, após uma semana, quando chegou meu aniversário, recebi um ramalhete de flores. Na hora não associei o presente àquele homem, é claro. As flores chegaram na academia onde eu trabalhava, e logo se iniciou o mistério: quem mandou o presente? 

No cartão estava escrito R.N. e eu não conhecia ninguém com essas iniciais. Perguntei para algumas pessoas e nada. Nas redes sociais, eu recebi os parabéns do homem que havia falado comigo antes, mas a página dele não tinha fotos, mostrava apenas quadros renascentistas, e o nome também era um apelido. Eu resolvi bloquear. 

O mistério acabou quando outra pessoa que não conheço, um amigo daquele admirador, entrou em contato comigo também pelas redes sociais. Ele disse que era amigo desse R.N., que ele usava esse pseudônimo havia mais de dez anos e que o amigo estava se sentindo um criminoso porque eu o tinha bloqueado, que ele tinha mandado as flores por ter visto que era meu aniversário e ficado empolgado. Que ele tinha me achado no Tinder. Na hora eu dei um chega para lá, inventei que eu estava namorando e disse que iria à polícia se eles não parassem de me procurar. 

Mas, depois, descobri como ele tinha conseguido me encontrar: ele me viu no Tinder, mesmo, e buscou na internet o nome do fotógrafo que estava na marca d'água da foto. No perfil do Facebook do fotógrafo, o stalker me encontrou e inventou uma história para que eu o aceitasse nas redes. Depois, a partir de informações no próprio Facebook, ele identificou a academia onde eu dava aula, ligou lá, confirmou meu horário, e resolveu enviar as flores. 

O mais assustador de tudo é que eu não sei quem ele é até hoje. No fim, minhas aulas mudaram de dia e horário, mas eu fiquei com muito medo de dar aula e encontrar ele na saída, me esperando. 

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Jenifer conheceu o stalker na balada e foi perseguida até em um casamento a que foi

*Jenifer, 31 anos, gestora pública 
Eu morava em Florianópolis em 2013 quando fui a uma balada e conheci um cara. Ele se chamava Daniel, tinha 35 anos, era professor universitário, uma pessoa acima de qualquer desconfiança, a princípio. 

Nós saímos mais duas vezes - numa delas, a gente foi jantar. Ele foi agradável, mas eu já vi que ele tinha umas características esquisitas, era insistente. Nesse dia, ele me levou em casa e, enfim, descobriu onde eu morava. O jeito que ele falava comigo era estranho, eu não estava mais curtindo. 

Foi quando ele começou a dizer que estava na frente da minha casa em dias que eu não estava lá, esperava eu chegar, me mandava mensagens dizendo que havia me visto saindo do meu apartamento, descrevia minha roupa, as características das meninas que moravam comigo. 

Ele não tinha redes sociais, então a única coisa que eu consegui pesquisar dele na internet foi o Currículo Lattes dele. Com o tempo, cerca de dois meses, eu fui enrolando, tentando sair pela tangente, porque comecei a ficar com medo dele. 

O cúmulo mesmo aconteceu no dia em que fui madrinha de casamento. Ele descobriu que eu tinha um casamento, descobriu onde era a cerimônia e ficou em frente à igreja esperando eu sair porque ele queria ver onde era a festa. Estava chovendo muito na hora e, por acaso, a festa era em frente à igreja. 

Daniel conseguiu entrar na festa, me viu dançando com meu irmão, e começou a me mandar mensagens loucas, me xingando, dizendo que ele tinha me visto com outro cara, que ele havia entrado no casamento, que ele tinha me visto. 

Eu achei isso muita loucura, tive que tomar uma atitude mais drástica: além de bloquear o número dele, eu o ameacei de registrar um boletim de ocorrência na polícia. Acho que isso o assustou, e nunca mais o vi. 

Gabriela teve medo após descobrir que 'colega' sabia tudo sobre ela  - Getty Images - Getty Images
Gabriela teve medo após descobrir que 'colega' sabia tudo sobre ela (foto ilustrativa)
Imagem: Getty Images

*Gabriela, 37 anos, bancária 
Eu sou formada em Matemática. Quando entrei na faculdade, em 2002, eu era muito nova e não via maldade nas pessoas, era muito simpática com todo mundo, mesmo num ambiente muito masculino. Nesse contexto, tinha um rapaz que estava em todos os lugares aonde eu ia. Eu achava normal, afinal estudávamos na mesma sala e achava que isso acontecia porque era algo do cotidiano de convivência. 

Com o tempo, porém, ele começou a agir de uma forma diferente, começou a me fazer cobranças injustificáveis, implicava com coisas simples - que eu usava lápis em vez de lapiseira, por exemplo - começou a dizer que eu tinha que estudar para tirar notas melhores, ele até olhava as notas que eu tirava. 

O dia em que eu percebi que havia algo muito errado foi quando eu estava no ponto de ônibus e ele começou a conversar comigo. Perguntou se eu namorava, eu disse que não, e ele falou: então quando você estiver sozinha, pense em mim. Eu fiquei boquiaberta, sem saber o que falar. 

"Olha, chegou seu ônibus, você pega o XXX, né?", disse ele. Eu confirmei e entrei no coletivo, pensando: o cara sabe até o ônibus que eu pego, isso não é normal. 

Depois desse dia, eu comecei a fugir dele. Aonde eu ia, em todas as rodas de conversa, ele fazia questão de ir e ficar ao meu lado. Me perseguia quando eu saía da aula, continuava olhando as notas que eu tirava, julgava as pessoas com quem eu conversava. 

Eu tive que pedir ajuda de amigos e amigas para que nunca me deixassem sozinha com ele. Foi então que alguém disse que eu tinha um stalker. Eu comecei a pesquisar sobre o tema e me dei conta do que se tratava. 

No final do primeiro semestre, ele acabou reprovando em uma disciplina e rumores existiam de que ele ficou tão mal que acabou internado em um hospital psiquiátrico. Não sei ao certo o que aconteceu, mas senti um alívio enorme em não ver mais aquela pessoa me perseguindo. 

Alessandra conheceu o perseguidor na internet  - iStock - iStock
Alessandra conheceu o perseguidor na internet (foto ilustrativa)
Imagem: iStock

*Alessandra, 42 anos, terapeuta 
Conheci um cara na internet e, por ali, começamos a conversar bastante. Como sempre fui terapeuta, ele achou meu endereço facilmente no Google, mas eu não vi problema. Passou um tempo e ele falou que iria me ajudar com uma palestra que eu estava organizando, que pesquisaria o material de data show para eu alugar. Muito solícito, mas também um pouco esquisito, pois ele começou a saber de coisas demais da minha vida - mesmo o que eu não contava. Eu fiquei com medo, tentei terminar o papo, e ele surtou, disse que já tinha até alugado o equipamento, que queria o dinheiro que ele dizia ter gasto. Ele começou a ficar em frente ao consultório, ligava, me ameaçava. 

Ele começou a dizer que tinha gasto dinheiro, que eu estava devendo para ele, e que ele sabia onde eu trabalhava. Ele dava detalhes de onde eu trabalhava, sabia das pessoas que entravam no meu consultório. Eu cheguei a oferecer parte do dinheiro que ele havia ter gasto, mas ele queria me ver.  

Até que chegou um dia em que ele me ligou, disse que estava do outro lado da rua, descreveu o carro em que ele estava. Nesse dia, inclusive, eu liguei para o meu pai ir até lá e ele foi embora comigo nesse dia, depois que o carro já não estava mais lá. 

A aproximação, no início, era com um intuito amoroso, ele disse que tinha intenção de sair, dizia que tinha gostado muito de mim. Mas, depois, ele mudou. Eu tentei me afastar, não consegui, ele continuou me ligando, mandando mensagem, inclusive de madrugada, e ameaçava me bater e me dar tiro. 

Como ele tinha muitos dados meus, eu fiquei com muito medo, precisei ir até uma delegacia, fiz um boletim de ocorrência e o avisei. Só assim ele se afastou. 

Perfis de cerca de 20 pessoas do mesmo círculo social foram clonados  - Getty Images - Getty Images
Perfis de cerca de 20 pessoas do mesmo círculo social foram clonados
Imagem: Getty Images

*Ana Carolina, 24 anos, publicitária
No ano de 2008 ou 2009, ainda na época do Orkut, eu comecei a receber umas mensagens de uns perfis falando que havia pessoas usando as minhas fotos. Eu fui atrás e vi que tinha realmente um usuário que fazia isso comigo e com alguns amigos meus. No Orkut, a gente bloqueou todo mundo e essa história morreu. Porém, em 2013, a gente achou alguns perfis falsos no Facebook. Eram aproximadamente 20 perfis fakes, com as nossas fotos - incluindo perfil do meu pai, dos pais dos meus amigos, e eles interagiam entre si. 

Eles interagiam, usavam as nossas fotos. Como todos os nossos perfis eram fechados, a gente começou a achar que era alguém que fazia parte do nosso círculo social. Fizemos o mesmo procedimento anterior, só que essa história surgiu de novo, uns dois anos depois. 

E o estopim foi quando eu fui abordada na balada: um menino que eu não conhecia veio falar comigo, como se tivesse tido conversas e até paquera comigo. E eu fiquei confusa, porque eu não sabia quem ele era. Até meu ex-namorado, na época comigo, achava que eu estava mentindo, foi uma grande confusão. 

Eu e meus amigos começamos a montar um dossiê com todas as informações, desde print de conversa, links dos perfis. A gente acabou não indo à polícia, mas tivemos muitas suspeitas. A única certeza é que é sempre alguém que a gente conhece. Porque nossos perfis eram todos fechados. 

Tudo começou quando o namorado pegou o celular dela para espiar  - Getty Images - Getty Images
Tudo começou quando o namorado pegou o celular dela para espiar (foto ilustrativa)
Imagem: Getty Images

*Giuliana, 22 anos, tatuadora 
Conheci meu ex-namorado por meio de amigos em comum. Nossa relação no começo era ótima, nunca tive nenhum problema, ele me tratava muito bem. Mas, depois de um tempo, ele começou a pegar meu celular diariamente, escondido, para ler minhas conversas. 

Essa relação durou cerca de oito meses. No último dia, a gente estava na casa dele, dormindo, e ele me acordou no meio da noite, me espancando, dizendo que eu o estava traindo. Isso tudo porque ele leu uma conversa minha de 2014 com um menino, achando que era atual. Eu passei momentos de pânico, ele era muito maior que eu, então não tive nem como me defender. 

Depois disso, ele pegou todos os telefones da casa, inclusive meu celular, e falou que eu estava em cárcere privado, que não iria sair dali nunca, que eu seria a mulher da vida dele, teríamos filhos e eu não poderia sair da casa dele nunca mais, que se eu gritasse ou pedisse socorro ele me bateria mais ainda. 

Após uma longa noite, eu fingi que ele estava certo, que eu o havia traído, mas que estava tudo bem, que podia me deixar ir. Eu o convenci a abrir o portão para mim, fui até almoçar com ele, para que ele me deixasse em casa. Eu fui, de óculos de sol, capuz, porque eu estava toda roxa, com muitos hematomas. 

Assim que tudo acabou, que ele me deixou em casa, eu tranquei a porta, bloqueei ele em tudo e nunca mais o vi. Eu tive muito medo de expor isso para todo mundo, na época eu achava que era culpa minha. Hoje entendo que não era. Achei melhor não denunciá-lo, demorei até para contar à minha família. E ele? Continuou com a ideia de que eu o havia traído e se afastou. 

*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das personagens. 

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