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Carnaval 2019

Porta-bandeira que perdeu saia pensou em desistir e chorou durante dias

 Everson Sena, mestre-sala, e Laís Moreira, porta-bandeira, desfilam pela Vila Maria - Divulgação
Everson Sena, mestre-sala, e Laís Moreira, porta-bandeira, desfilam pela Vila Maria
Imagem: Divulgação
do UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

20/01/2019 04h00

Quando colocar os pés no Anhembi, no próximo dia 2 de março, Laís Moreira precisará atender não apenas às expectativas das 33 mil pessoas que estarão presentes ao sambódromo, dos jurados, dos jornalistas e dos milhões de brasileiros que acompanharão os desfiles de Carnaval pela TV.

Laís terá, antes de tudo, que convencer a si própria de sua capacidade de superar um trauma, e o pior trauma possível para alguém envolvido com o Carnaval: ver-se impotente diante de uma falha de última hora, um problema insolúvel capaz de comprometer algo pelo qual 2.900 pessoas (contando apenas as que desfilam) se empenharam ao longo de um ano.

Ela é a porta-bandeira da Unidos de Vila Maria que perdeu a saia no desfile do Carnaval passado. Fosse um jogador de futebol, Laís seria aquele que perdeu um pênalti numa partida decisiva e, um ano depois, está de volta à marca de cal para a mesmíssima decisão, no mesmíssimo estádio.

"Não consegui assistir ao vídeo da minha saia caindo até hoje. Foi um trauma", diz a porta-bandeira em conversa com o UOL antes do ensaio no Anhembi. Em momento algum ela tenta diminuir o impacto do incidente em sua vida, mas procura demonstrar que está o mais preparada possível para voltar ao sambódromo paulistano (veja a programação dos desfiles de São Paulo) sem se deixar influenciar pelo ocorrido.

"Fazendo uma retrospectiva de tudo o que aconteceu desde o Carnaval passado, foi um ano de redescoberta", avalia Laís. "De redescobrir o amor que tenho pela dança, porque eu cheguei a pensar em desistir, tamanha a minha frustração. Afinal, foi um longo período de trabalho que não conseguimos completar na hora do vamos ver. Fazendo o paralelo com futebol, é pior do que se eu tivesse perdido um pênalti. É como se eu tivesse sofrido aquela convulsão do Ronaldo [Fenômeno, na final da Copa de 1998]."

Laís conta que pediu ajuda para o carnavalesco da escola assim que percebeu que a saia havia rasgado, ainda na concentração. "Ele começou a mexer para tentar dar um jeito. Perguntei para o presidente da escola se ele queria que eu saísse, mas ele disse para eu ficar. Entrei na avenida segurando a saia. Pretendia soltá-la na frente do jurado, mas mudei de ideia e achei melhor continuar segurando. Começamos a dançar, bem cautelosamente, até a hora que começou a rasgar, rasgar, rasgar...", lembra a porta-bandeira.

Foi nesse momento que a responsabilidade com a escola gritou alto, e Laís pediu a um diretor que passasse o pavilhão para Jéssica Passos, a segunda porta-bandeira. "Aí dei mais uma enrolada, a saia caiu, tentaram dar um jeito, não conseguiram...Fiquei de shorts mesmo, e o Everson [Sena, mestre-sala] teve esse gesto nobre de amarrar a capa em mim. Em momento algum pensei em chorar, desistir, chamar a minha mãe, ou o meu pai. Ali era a razão falando. Só quando passamos a faixa amarela do fim da avenida nós demos conta do que tinha acontecido. Foi quando desabei."

A porta-bandeira calcula que começou a chorar ali, assim que o desfile acabou (como mostram vídeos da cobertura do Carnaval), e seguiu por mais ou menos quatro dias seguidos. E olha que ela não pôde se dar ao luxo de se trancar em casa para molhar o travesseiro. Ela e Sena tinham compromissos profissionais logo na sequência, e ninguém contrata uma porta-bandeira de uma escola de elite com a expectativa de que ela se apresente aos prantos. 

Medo do rebaixamento

O mestre-sala e a porta-bandeira seguiram para se apresentar em uma escola de São Sebastião, no litoral norte paulista, na sequência do traumático desfile. Depois foram até Guaratinguetá, no Vale do Paraíba. Lá, Sena, e Paulo Henrique, marido de Laís, queriam assistir à apuração. "Mas eu não queria. Estava lá chorando ao lado deles", conta Laís, hoje com bom humor.

Ela temia que a escola fosse punida e perdesse pontos pelo problema com a saia, o que poderia levar ao rebaixamento da Unidos de Vila Maria. Ou, para Laís, a toda uma vida sendo lembrada como a porta-bandeira que perdeu a saia e derrubou uma agremiação. Porque, por mais que ela ressurgisse para uma carreira brilhante, evidentemente esse tipo de coisa jamais é esquecida. 

Além de trágico, um rebaixamento causado por um problema na costura de uma saia seria exótico. Laís diz se lembrar apenas de um outro incidente parecido envolvendo uma porta-bandeira. "As chances são as mesmas de você se envolver num acidente aéreo."

Na volta de Guaratinguetá, Laís e Sena pararam em Aparecida do Norte. Ela é candomblecista, porém, devota de Nossa Senhora. Ele, evangélico. "Sugeri ao Everson escrever num papel o que ele mais almejava para a vida dele, que ela [Nossa Senhora de Aparecida] iria atender. E ele fez isso, despretensiosamente. Assistimos à missa, e eu me emocionei, porque, afinal de contas, tivemos o milagre da vida. Poderia ter acontecido algo muito pior, mas foi só uma saia."

A Unidos de Vila Maria não caiu (terminou em nono), e Laís diz que usou a meditação e o Ho'oponopono para buscar equilíbrio emocional. "Chorei por meses, sempre que alguém comentava sobre o assunto. Agora, estamos aqui há uma hora falando sobre isso e eu não chorei", diz a porta-bandeira ao comentar sobre a eficiência da técnica ancestral havaiana, que procura resolver mágoas e feridas por meio da gratidão.

 "Foi um rio que passou em minha vida. Literalmente", conclui a porta-bandeira.

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